quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Sob Arcturo


Oficina irritada


Eu quero compor um soneto duro

como poeta algum ousara escrever.

Eu quero pintar um soneto escuro,

seco, abafado, difícil de ler.


Quero que meu soneto, no futuro,

não desperte em ninguém nenhum prazer.

E que, no seu maligno ar imaturo,

ao mesmo tempo saiba ser, não ser.


Esse meu verbo antipático e impuro

há de pungir, há de fazer sofrer,

tendão de Vênus sob o pedicuro.


Ninguém o lembrará: tiro no muro,

cão mijando no caos, enquanto Arcturo,

claro enigma, se deixa surpreender.


(Carlos Drummond de Andrade - Claro Enigma)



Deixam dos sete Céus o regimento,
Que do poder mais alto lhe foi dado,
Alto poder, que só co pensamento
Governa o Céu, a Terra e o Mar irado.
Ali se acharam juntos num momento
Os que habitam o Arcturo congelado
E os que o Austro têm e as partes onde
A Aurora nasce e o claro Sol se esconde.

(Camões – Canto I)

"Deixam dos sete Céus o regimento": os sete Céus são as sete esferas planetárias do sistema de Ptolemeu; "Os que habitam o Arcturo congelado": o Arcturo é a estrela mais brilhante da constelação do Boieiro ou Bootes. Foi considerada por vezes como fazendo parte da Ursa Maior e Arcturo significa literalmente guarda da ursa; "E os que o Austro têm ...": os que moram no Sul; "... e as partes onde / A Aurora nasce e o claro Sol se esconde": vieram, portanto, os deuses do Norte, do Sul, do Leste e do Oeste ao concílio.


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