sexta-feira, 18 de abril de 2008

Poema de Cabral e Imagem de Graciliano

GRACILIANO RAMOS:

Falo somente com o que falo:
Com as mesmas vinte palavras
Girando ao redor do sol
Que as limpa do que não é faca:

De toda uma crosta viscosa,
Resto de janta abaianada,
Que fica na lâmina e cega
Seu gosto de cicatriz clara.

Falo somente do que falo:
Do seco e de suas paisagens,
Nordestes, debaixo de um sol
Ali do mais quente vinagre:

Que reduz tudo ao espinhaço,
Creta o simplesmente folhagem,
Folha prolixa, folharada,
Onde possa esconder a fraude.

Falo somente por quem falo:
Por quem existe nesses climas
Condicionados pelo sol,
Pelo gavião e outras rapinas:

E onde estão os solos inertes
De tantas condições caatinga
Em que só sabe cultivar
O que é sinônimo de míngua.

Falo somente para quem falo:
Quem padece sono de morto
E precisa um despertador
Acre, como o sol sobre o olho:

Que é quando o sol é estridente,
A contra-pêlo, imperioso,
E bate nas pálpebras como
Se bate numa porta a socos.

(MELO NETO, João Cabral de. Serial. Obras completas vol. I.)

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