sábado, 23 de agosto de 2008

lapa

lapa foi tema e título de um livro (inédito) que escrevi por volta de 1984. passaram-se já 24 anos. gosto do livrinho. vira e mexe topo com uma expressão dele batucando em minha cabeça, curioso é que desde este livro formulei o que queria da poesia. a forma que teriam os livros, a interligação das partes. escrevi-o quando a lapa ainda não era esse reboliço de classe média e nédios freqüentadores, engordados pela burrice do consumo. era outra a lapa, talvez não tão gloriosa como a dos malandros de décadas passadas, nem, sem dúvida, a lapa portentosa de Manuel Bandeira. era uma lapa de prostitutas e travestis, sem o glamour que hoje têm, passatempo de turistas. sabia dos pontos em que elas e eles se moviam, meio à sombra – da exuberância dos arcos e início da Mem de Sá e Riachuelo até a decadência das putas velhas que circulavam em torno da Cruz Vermelha. não os freqüentava, é certo, mas como ia, todas as quarta à noite, do Humaitá, onde estudava e lia o Augusto dos Anjos, como os amigos Ronald e Álvaro, até o Andaraí, onde morava até acertar a vida – arranjar trabalho – e poder trazer para o Rio – cidade de minha escolha e paixão – meu filho recém-nascido e Wal, que haviam ficado em Barbacena, passei a conhecer de observação aquela geografia de espantos, decadente e, sobretudo, doentia. mal percebia que a doença não estava na decadência, mas na planificação massificada do divertimento que se impõe como um dever de vazios. escrevi o livro, todo ele, em uma máquina de telex, contando sílaba por sílaba para que tomasse a forma que eu desejava. tomei de empréstimo a Genet – do Diário de um ladrão – uma palavras para a epígrafe e pedi a Dora Ribeiro que me escrevesse algumas palavras. desenhei uma mulher de costas sobre a qual o Eugênio comentava ser – o desenho – una bazófia e com aquele seu jeito de confirmar que até hoje me causa saudade. sim, sim, nem duvides! fui aos poucos acrescentando dedicatórias no livro, meus amigos, minhas amigas, outros leitores eventuais. creio ser um livro que não se publique, que se guarde até um dia qualquer como memória de como se construiu a vida

(oswaldo martins)

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