domingo, 7 de setembro de 2008

Sobre os gregos

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O único conteúdo possível da tragédia grega era o mito, fornecido pela tradição: enredos inventados pela imaginação do dramaturgo, que enchem os nossos repertórios, estavam excluídos. Tratava-se de interpretações e reinterpretações dramáticas de enredos dados. Mas não é esta a única particularidade do teatro grego, em comparação com o nosso: a diferença estilística não é menos importante. O teatro grego é mais retórico e mais lírico do que o moderno. Os discursos extensos, que os gregos não se cansavam de ouvir, seriam insuportáveis para o espectador moderno, que prefere, a ouvir discursos, ver e viver a ação. O grego, ao que parece, freqüentava o teatro para se convencer da justeza de uma causa, como se estivesse assistindo à audiência do tribunal ou à sessão da Assembléia. E os requintes de retórica, superiores em muito aos pobres recursos da eloqüência moderna, não bastaram para esse fim: acrescentaram-se, por isso, aos argumentos do raciocínio as emoções da poesia lírica, acompanhada, como sempre, de música. A tragédia grega era instituição do Estado democrático, e a participação nela um direito e um dever constitucionais. Assim, a tragédia grega era uma discussão parlamentar na qual se debatia, lançando mão de todos os recursos para convencer o público, um mito da religião do Estado. Considerando-se isto, as concorrências dos poetas, que apresentaram as peças, perdem o caráter de competição esportiva: a vitória não cabia ao melhor poeta ou à melhor poesia dramática, mas à peça que impressionava mais profundamente; quer dizer: à peça na qual o mito estava reinterpretado de tal maneira que o público se convencia dessa interpretação e – podemos acrescentar – por isso o estado a aceitava. Tratava-se de um acontecimento político, que ocorria uma só vez. O teatro grego não conheceu representações em série. Com a representação solene, a causa estava julgada, a lei votada. O verdadeiro fim do teatro grego – assim reza a tese sociológica – era a sanção duma modificação da ordem social por meio de uma reinterpretação do mito.
(Otto Maria Carpeaux – História da Literatura Ocidental Vol. 1)
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Sob o olhar do cidadão

A entrada do coro, em Antígona, se dá num clima de intensa alegria. Exultam os cidadãos com a vitória sobre Argos. Seu primeiro canto é dirigido ao Sol, à luz que brilha com a fuga da armada inimiga: “Ó sol mais belo que jamais surgiu sobre Tebas das Sete Portas, enfim nos ilumina, belo olhar de um dia dourado”. Do lado de Tebas, o sol, a luz. E nesse canto, o elogio a Creonte também vitorioso.
Sua segunda intervenção se dá depois da descoberta de que a proibição fora violada. É lançado então um canto de louvor ao homem: “De tantas coisas maravilhosas, a grande maravilha é o homem.” Dentre os elogios, louva a sua capacidade de aprender a linguagem, o pensamento e os costumes sem mestres”
“E a linguagem e o pensamento ágil e as leis e os costumes ele aprendeu tudo sem mestre.” Ao invés de lamentar a desobediência às leis de Creonte, o coro canta um louvor ao que o homem aprende sem mestre. Não só pensar, usar a linguagem ou agir bem, mas também a capacidade de lançar suas próprias leis. O coro lança como contornos próprios às leis não os da mãos do tirano, mas os do grupo dos cidadãos. Linguagem, pensamento e leis são louvados como aquisições pessoais sem mestres da verdade. No elogia ao homem, uma crítica a esses mestres.
Em suma: ao mestre considerado desnecessário, há a ameaça do desterro. Já por essas primeira intervenções do coro se pode ver que não há grandes simpatias para com a figura do mestre. Se o primeiro canto do coro é de vitória, é pela polis que se regozija. Já o segundo, dá glórias ao homem comum e lança uma ameaça ao tirano. Sob o olhar do coro de cidadãos não é nada simpática a figura daquele que procura monopolizar a linguagem e o poder.
(Flora Sussekind)

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