segunda-feira, 6 de abril de 2009

Um Rebolado no Meio do Caminho

Em Marrakesh
uma mulher me pegou pela mão:
guiava-me
nos vapores (sem ardores) do banho coletivo.

Nunca me esquecerei desse acontecimento:
o mistério desse espaço
fechado – mas difusamente iluminado,
onde corpos femininos,
diferentes de todos os que eu antes conhecera,
descansavam
depois da ablução.

Corpos reais:
curvas, banhas, tempo neles tatuado.
Corpos nus, corpos corpos,
corpos de mulher
por outras mulheres – e só por elas – vistos.

Naquele espaço fumoso e velado
onde se adentra com as retinas
reduzidas
pela luz inclemente do deserto:
o sol lá fora sempre (esse deus tão masculino)...

Lá dentro, protegidas, purificadas
e nuas,
as mulheres
percebem da vestida estrangeira
o espanto,
o medo talvez.

Uma delas - a mais velha - lhe oferece a mão,
como a dizer:
- Aqui estamos! És uma de nós, se achegue...

Nas minhas retinas
e no meu corpo fatigado
esse acontecimento
nunca será esquecido.

As mulheres de Marrakesh
estavam ali relaxadas.
Como também relaxam quando dançam.
Contorcionistas
de si mesmas e de sua espécie.

Fechei os olhos e as vi:
bailavam com esses mesmos corpos
- inusitados -
em diáfanos trajes,
com rebolados que em minha terra
também há
(mas diferentes).
Em círculos completos,
ou desenhando o infinito
(sem os pezinhos marcados da minha terra,
por exemplo).

Mas, por exemplo,
a sabedoria,
essa não diverge.

(Dizem que também há homens
contorcionistas no baile oriental.
Mas esses vão aos banhos em outras horas:
não os vi, nem me seria permitido).

Fico então
com o rebolado que conheco e reconheço
em corpos semelhantes ao meu.
Tentada a concluir
que requebros e rebolados
são artes femininas.

Mas a metáfora gasta não me satisfaz.
Se assim o fosse,
porque aquele homem sentado na porta dos públicos banhos,
em Marrakesh me disse:
- Entre, essa hora é para mulheres...
Ou porque esse amigo, homem bem homem
propõe o desafio do rebolado?

O grande mistério
é apenas quebrar-se o corpo que não requebra,
seja ele de homem,
seja ele de mulher.

(Não era uma pedra,era um rebolado mo meio do caminho).

(Lídia V. Santos

3 comentários:

  1. grande...grande e belo poema.
    Se me permitem vou ligar este vosso blogue ao meu deliriospoeticos.blogspot.com

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  2. Caroi José Miguel,
    tudo bom?
    O poema é da Lídia Santos, uma das nossas colaboradoras. Ah, em tempo, passei a seguir os teus delírios poéticos,
    Abraço,
    Oswaldo

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  3. Lídia, enfim, um Drummond pra lá de Marrakesh. E tão lindo quanto o nosso aqui, que, quando muito, chegou pra lá de Itabira.

    Abraços... vou frequentar esse site do Oswaldo.

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