quarta-feira, 30 de março de 2011

Bernardo Guimarães e o cânone

A repetição pois do recurso que já notáramos no "Dilúvio de papel" nos elucida sobre a expectativa do receptor que o poeta trazia. Imagine-se então que os contemporâneos pensariam do O elixir do pajé, castamente proscritos da cuidadosa edição de suas poesias completas. Dentro da seriedade de nosso cânone poético, o ultrapasse da idealização da mulher só era admissível mediante uma justificação "científica" - a exemplo do que fará o romance naturalista de Aluizio de Azevedo. Mostrá-la ao invés parceira, conquanto sem voz, nos jogos eróticos de caralhos e bandalhos, onde borés e pajés rimamna irrisão do chocalho gonçalvino, era, convenhamos, intolerável. Por isso mesmo, não divulgável. Não era permitido ao erótico despojar-se do esconde-esconde das saias-balão ou ao corpo mostrar-se senão através do artifício de anquinhas, com que o contemplador previamente sabia teatralizar as formas naturais.

O leitor de agora poderia afinal alegrar-se: estamos afinal noutro tempo, onde se torna normal o antes severamente punido. Assim a republicação do Elixir, contendo "A Origem do Mênstruo", já não causa nenhuma celeuma. De nossa parte, cantudo, lamentamos discordar: por certo que já não há sentido em censurar-se o erótico, sobretudo um erótico brincalhão como o do Elixir. Mas convém não engolir gato por lebre. Nosso cânone poético continua gerenciado pelos modelos que Bernardo marginalmente ironizava.

(Luiz Costa Lima - Pensando nos trópicos - página 249)

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