segunda-feira, 7 de maio de 2012

Literatura em sala de aula


1 – Há alguns aspectos a se considerar quando se pensa no ensino da literatura e na organização curricular que o dirige. O primeiro deles é o lugar de onde parte o professor, pois há duas formas de considerá-lo:

·     A empatia que o professor tem com a literatura, sua bagagem de leitura, seu trato pessoal com o texto literário, levando-se em conta os aspectos técnicos do ensino e da teoria que serão enfocados em sala de aula;
·      A necessidade de se ater à burríssima divisão histórica de que a maioria das grades do ensino da literatura parte. Barroco, Arcadismos, Romantismos, Parnasianismo etc.

O professor meramente técnico pode até “ensinar” ao aluno as fases, o significado do que é literatura e fazê-lo entender os períodos e suas relações com a história, com a filosofia, com a sociologia ou com a matemática. Entretanto, um dos aspectos mais densos que a literatura traz é a capacidade de localizar o sujeito no seu mundo e a partir daí poder fazer a crítica da linguagem do senso comum – que é a do uso habitual da própria linguagem. Esta capacidade só pode ser oferecida ao aluno-leitor se se faz compreender o deslocamento mimético produzido por essa outra linguagem – nada usual – que é a linguagem literária. Sem este deslocamento, é impossível ao aluno-leitor perceber a potência contida no texto literário.

Atingir essa potência, demonstrá-la e fazer com que seja possível senti-la é, pelo que me parece, uma das possibilidades que tem o professor de literatura, em quaisquer níveis da educação. Em outras palavras, é preciso fazer com que o aluno-leitor ponha a mão na massa.

Na minha prática de sala de aula algumas proposições são constantes. A começar por abrir espaço para a teoria, mesmo que sejam árduos os caminhos da compreensão da matéria teórica – como diz Luiz Costa Lima,  teorizar não é aplicar uma receita de bolo ou dominar um conjunto de regras fixas e imanentes, mas é sobretudo fazer dançar o pensamento, com o rigor e a precisão que uma passista tem ao adentrar a avenida ou o poeta grego que fazia dançar o seu dançado. Explico-me: é necessário deixar o pensamento assentado sobre um ajuste rigoroso e frouxo ao mesmo tempo, como uma peça de encaixe que, ao se acoplar a um suporte, mantenha com ele uma relação de desconfiança, pra que se possa ajustar e modificar os ajustes, quando a mobilidade de pensamento assim o exigir.

O passo seguinte é o da leitura, muita leitura, sem querer saber se leitor-aluno goste ou não de determinado livro. O que o aluno tem de compreender não passa pelo gosto, mas pela capacidade que determinados livros possuem de fazer com que as situações do cotidiano sejam refletidas e postas sob suspeição, mesmo as características mais caras ao processo civilizatório. O império da lei foi construído e suas verdades naturalizadas. Ao ler os seguintes versos de Baudelaire, deve o aluno compreender que todo o processo civilizatório está sob suspeição e que a radicalidade expressa pelo poeta tem como visada um outro ponto.

Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada
Não bordaram ainda com desenhos finos
A trama vã de nossos míseros destinos,
É que nossa alma arriscou pouco ou quase nada.

As percepções contemporâneas devem se assustar, com o texto literário. Podem se perguntar: mas dar isso para um adolescente, meu Deus? Sim, é isto e não outras expressões o que se deve dar a ler. Os aspectos de certos romantismos, hoje, apenas tentam dar ao construto literário um lugar aceitável na ordem do mundo. É preciso rejeitá-los. Nada pior do que os ai que saudades que eu tenho, que abundam como o modelo de literatura, ainda que pese a radicalidade modernista.

O terceiro passo está em fazer com que o aluno-leitor ponha a mão na massa e recrie a linguagem a traduza em atos concretos, que nunca podem ser uma prova; são preferíveis os debates, os trabalhos de desnudamento dos textos feitos pelos alunos-leitores.

Passo a relatar algumas experiências vivenciadas em sala de aula:

·                    A formação de um parque de diversões a partir e de textos.
·                A recriação do Rio do século XIX, a partir da leitura de Machado de Assis, Aluísio Azevedo e Manuel    Antônio de Almeida.
·                  A criação de um manifesto literário, criado e lido em praça pública pelos alunos.
·           A criação do Cortiço físico, em que as pessoas pudessem entrar e vivenciar, não o cortiço, mas a sua mímesis e assim  compreender que o que Aluízio Azevedo faz não é o retrato de um cortiço, mas a sua emulação
·               A criação de um jogral com poesia.

É preciso ressaltar que quem torna possíveis essas experiências são os alunos e não o professor que, quando muito, dá uma de songa-monga e reutiliza o vivenciado como reflexão sobre o texto literário, fechando o círculo.

Gostaria de ler um poema do Cosmologia do Impreciso, está na parte que se nomeia arte da deseducação na qual tento pensar a questão da sala de aula:


tertúlias

Nas aulas todo domínio é cínico
Inventam-se nomes para profissão
nenhuma

nas aulas mente-se desde o que
não se sabe ao que deixarão de
saber

nas aulas a correção absoluta
ensina o desconforto
a tristeza

a traça que corrói todas
as conquistas
e abismos


(Oswaldo Martins)

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