quinta-feira, 28 de junho de 2012

três desenhos curtos para objetos obsoletos


1

bidê

nos dedos da mão
o tanger das doces teclas
dos delírios ínvios


2

penico

nas cidades frias
homens mijam
na bacia das almas


3

espartilho

madames vestem saiote
inventam peitos
para os silicones futuros


(oswaldo martins)

quarta-feira, 27 de junho de 2012

medido


entre um e seu espaço
alinha como desenho

não mais o traço
um quê de tudo

se ajusta na parte
interna ao capote

vermelhos amarelos
que de azuis tão

desassemelhados
o mundo passa

a novos mundos
em rarefação tal

que se sobrepõe
ao uno

o múltiplo em si mesmo


(oswaldo martins)

para andré capilé

André, a dedicatória vai no fim, para não atrapalhar a leitura do poema.

Vejo-a na alma pintada


Luis Vaz de Camões  Glosa a mote alheio

Vejo-a na alma pintada,
Quando me pede o desejo
O natural que não vejo.

Se só no ver puramente
Me transformei no que vi,
De vista tão excelente
Mal poderei ser ausente,
Enquanto o não for de mi.
Porque a alma namorada
A traz tão bem debuxada
E a memória tanto voa,
Que, se a não vejo em pessoa,
Vejo-a na alma pintada.

O desejo, que se estende
Ao que menos se concede,
Sobre vós pede e pretende,
Como o doente que pede
O que mais se lhe defende.
Eu, que em ausência vos vejo,
Tenho piedade e pejo
De me ver tão pobre estar,
Que então não tenho que dar,
Quando me pede o desejo.

Como àquele que cegou
É cousa vista e notória,
Que a Natureza ordenou
Que se lhe dobre em memória
O que em vista lhe faltou,
Assim a mim, que não rejo
Os olhos ao que desejo,
Na memória e na firmeza
Me concede a Natureza
O natural que não vejo.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Pilulinha 22


Os três contos que fecham a leitura do livro de Sergio Sant’Anna são primorosos. Não é que os outros contos que fazem parte do livro O voo na Madrugada sejam piores ou obedeçam outra ordem de composição que fizesse dos três últimos uma composição à parte, mas que a intensidade conquistada pelo autor, nos retratos possíveis das mulheres tomadas como ponto de partida para o desenvolvimento dos enredos, está na ordem do excepcional.  Verdadeiros tratados sobre a escrita, os três contos são ao mesmo tempo tratados do erotismo que alimenta o prazer da leitura.

Que se entenda, quando se fala sobre o prazer da leitura, ligada ao erotismo, nada se propõe que se aproxime a leitura dos abertos do pornográfico, mas pelo contrário a aproximação que se faz é com a necessidade dos esconsos do erótico, revelador dos mistérios escusos ou não das mentes humanas. Se o pornográfico é tecido frágil que se resolve numa ação direta e final, o erótico é curvo e escuso, já que permite ao leitor os abismos e a reflexão constante dos renascimentos que provocam crises e permitem que se veja nu no espelho de si mesmo. As narrativas que desnudam a narrativa têm esse dom. Não basta o assunto, não basta o enredo, mas urdidura erótica das palavras.

Dom que está presente nas narrativas de Sergio Sant’Anna.

(oswaldo martins)

domingo, 24 de junho de 2012

poema do saco cheio


1

curto
a noite improvável

as horas
bastam

zumbem
zumbem

como sempre

2

ou
entre as opções

nenhuma

3
para cláudio leitão

ainda

a história
do sargento zé pretinho

ou da mariinha

entre tiradentes
e barbacena

cutucam a memória
das boas horas

4

talvez
a ausência dos amigos

faça da noite
comovida

magra
como uma canja de galinha

5

nem o ogro
nem o logro

apenas a casa
do agra

sustém

as horas
que passam

6
para sérgio sant”anna

no voo da madrugada
três textos do olhar

olham

a mulher nua
a figurante

ou
as meninas de balthus

e fazem doer
as horas

7

se é o dia bonito
no rj

se faz sol
e o azul de outono

tempera
estar desoras

a noite vive
como um aviso

de sinistros

(oswaldo martins)

sábado, 23 de junho de 2012

poemas de amor para berenice


1

berenice era uma gata de meia idade
às vezes pensava na vida
às vezes não

berenice vivia pelos cantos
resmungona e em uns dias frios
pensava sacadas e voos

ia e vinha dos parapeitos
às janelas encontrava-as fechadas
pé ante pé

procurava frestas-luz
ou mesmos transparências
para seus olhos de gata

berenice um dia
lembrou-se de que os camelos
sorriam como que ante gozando

o nada nas gengivas podres
no peito cavo, de asmático
e nas corcundas

que o separavam do mundo

2

berenice era um disfarce
de lurdinha, a pobre gata
dos fundilhos rotos

com pés descalços, berenice
andava pelas ruas
nas unhas encardidas

nada revelava de sua graça
do passado vívido
e da mala

com que deixou sua casa
se berenice pulara a janela
até hoje pairam

no ar dúvidas
sobre o destino
da desassisada

3

berenice na rua
na lua
nua

berenice alta
na ribalta
ou berenice

em falta
o emprego
o obrigatório

ritmo sinusal
do peito enfim
falhado

berenice afinal
esticada na sarjeta
totalmente

morta


4

berenice ali esticadinha
é uma boneca
enlouquecida

o batom nos lábios
como uma máscara
sobre o rosto

de nácar
cozido pelo fogo
que lhe subiu

pelas pernas
tomou-lhe as coxas
a pelve

até um a um
o baço
o seio

o pescoço e os miolos
fazendo esticar
as pernas

os braços
oferecidos
ao léu

à última curva
da xoxota
aberta

para seu algoz

(oswaldo martins)

domingo, 17 de junho de 2012

3º Salão da Leitura de Niterói

http://www.salaodaleituraniteroi.com.br/home.html

Veja no link a programação completa. Vale conferir.

Esse ofício do verso


De vez em quando eu ensaiava uma metáfora um tanto ousada, mas via que ninguém a aceitaria se viesse de mim (sou um reles contemporâneo), e assim atribuía a algum remoto persa ou nórdico. Aí meus amigos diziam que ela era um primor; e eu nunca lhes contava, claro, que eu a inventara, pois gostava da metáfora. Afinal de contas, os persas ou nórdicos podem ter inventado essa metáfora, ou outras tanto melhores.
(Jorge Luis Borges – música da palavra e tradução)

O paradoxo de Elvira Vigna


Em O que deu para fazer em história de amor, Elvira Vigna constrói uma narrativa de idas e vindas, que sempre está a recomeçar e a inventar diversos fins. Entre um fim e outro, a consciência de sua escrita ressalta uma fina tessitura nos destinos dos personagens e ai de nós! estampa, com crueza, as misérias dos relacionamentos humanos e suas dúvidas. O título é remissivo a toda reflexão que a narradora propõe. Reflexão que se estende por toda a ação da escrita e da vida.

Ao mesmo tempo metalinguístico e não, o romance acontece na sensibilidade e inteligência do leitor a partir das substituições propostas pela narrativa. Na unicidade conquistada pela narradora, todos os personagens são si mesmos e os outros, amalgamados em uma mesma sensibilidade do tempo e do convívio social.

A operação admirável que Elvira consegue imprimir neste seu novo romance é tanto mais digna de entusiasmo quanto maior a capacidade de fragmentar a voz da narradora e ao mesmo tempo dar a ela a capacidade de refletir que esta fragmentação está intimamente ligada à expressão verossímil da vida.

Parece-me que a intenção permanente na pegada do romance está nesta capacidade de se afirmar ao mesmo tempo como narrativa e dela afastada paradoxalmente, pois o que se dá a ler como romance, ficção, é a capacidade mesma de se dar a ler como vida. Daí as idas e vindas da narradora, daí o pensar ingente que toma a vida da narradora que se põe a escrever desde sempre. Daí a reflexão a flor da pele que encontramos no romance.

(oswaldo martins)

sexta-feira, 15 de junho de 2012

marinhas

1

se por teu nome
gritaram
água

se na tostada nudez
do alvoroçado
mar

se no azul pressentido
o ar levanta-te
a blusa

se luz o umbigo
do mundo

aí banharei meu
corpo

nestas que
são as águas

neste que é
o mar

2
verde que te quero mar

o vento solfejou
uma nota em si

tão verde o vento!

o verde que verde
venta

a aragem mar
a experiência das noites
de cristal

quando amor celebra
os seus abismos

3

mar limite meu
de essências rubras

uma mulher levanta
o braço

curvas descem pelo olhar

e basta.

(oswaldo martins)

encontro




gosto do silêncio da tua fala
não me pedes novidades

aos poucos
nossa fala fala.


elesbão
(15/06/12)

quarta-feira, 13 de junho de 2012

desimitação de Alphonsus de Guimarãens


1

da saia
que de par em par
ruflou

borboletas azuis
saíram

as fortificações
se o mar brame
em sonhos

aos calores de maio
dançam nos discursos

dos estetas
espedaçados


2

se o que antes borboletas eram
agora nos paus de canela

da saia
outras ramificações

3

o cheiro
se tanto

à água

se tanto
ao céu

o acre

sabor
das saias

(que se agitam)
à noite

os desencantos
cedem

à álacre
vertigem

do conluio
das entrepernas
e gozo

(oswaldo martins)


Lágrima Palhaça

quinta-feira, 7 de junho de 2012

antiode para as administrações verticais


para alexandre faria, companheiro de desabdulagens


Pois viu por sobre a cama
O terno de Farid
E viu dependurado
Abdula num cabide
(Noel Rosa)

há abdulas e abdulas neste mundão de deus! uns abdulam para si próprios; outros desabdulam seus cofres, forjam a festa intimorata das palavras.

os que desabdulam não verticalizam as relações de amizade, trabalho ou governanças desabdulam a música, a literatura, os amores e sobretudo desabdulam o sobretudo de desabdular as entranhas fétidas das instituições ou os provérbios dos sábios de salomão.

preferem as relações horizontais, coordenativas e anárquicas abdulusam das vírgulas dos abusos das sempre inventivas formas do não e sobre os comandados dos falsos regimes democráticos impõem o escárnio e o maldizer das regras sociais

preferem as horizontalizações dos conteúdos - uma mulher deitada é mais bonita – melhor se deitada nua – que as parafernálias dos vestidos que as põem de pé e abaixam a crista e abaixam o sexo e abaixam o sabor o cheiro o ardor a que todo saber deve conduzir livre e fogoso como um potro ou uma potranca no pasto.

preferem a carne em pé à hierarquia dos casais abdularizados e que guardam o quinhão para os filhos e filhas se casarem nas igrejas nas sinagogas nos terreiros

os filhos dos abdulas que abdulam, formolizados pelos pais, irão morar em casas acasteladas –  nestas casas o ventre parco do saber habita – e dos pais herdarão a unha e o sucesso da sucessão as contas bancárias e a preocupação em criar a ciranda das idiotices que repetirão a seus fihos – os abdulazinhos.

ao meterem o bedelho na carta de vinhos nas matemáticas somáticas nos conchavos e na proteção ao crédito ao descrédito ao sorumbático decreto da pobreza, comandarão as usinas dos pensamentos midiáticos e à porta dos shoppings desinventivos da unicidade, abrirão anchas palavras, organizarão filas intermináveis para as novidades viciadas para os cineteatros cuja sabedoria está na repetição do repetitório absurdo da repetição para a sopa dos pobres e dos nobres sentimentos cristãos

só lamentam os coitadinhos não poderem empilhar suas filas em verticais hierarquizações, pois assim verticalizadas as filas se multiplicariam como se multiplicam a incompetência, a sandia sandice dos sandeus, a burrice com que enfim tomam o mundo com suas garras de abdulas recém formados.

de oswald aprenderão a conjugação que lhes aprouver:
eu abdulo
tu abdulas
eles hão de abdular
como se nós abdulássemos
ou como se
inventássemos o verbo crackar

como gostam de conjugações os abdulas – que abdulam –  por isso para as conjugações até inventaram uma teoria uma reza ou um mantra ou uma oração

empilhar verbos e
edifícios verticais
e moedas de ouro
como empilhar as
consciências

prepará-las talvez para a imitação dos pulhas e assim criar bilhões de pulhazinhas de menor porte de menor corte pois que os abdulas não admitem concorrência e devem nomear os candidatos a abudula (que abdulam) do conveniente nome de pulhas já que se ultrapassarem em pulhice àqueles abdulas sob as penas da lei salvaguardarão os verdadeiros pulha-abdulas ou abudula-pulhas, de vasto cardápio e seleção – oh senhor

empulhar verbos e
edifícios verticais
e moedas de ouro
como empulhar as
consciências


dos que deambulam por deambular e que por deambular desabdulam as consciências abduluzidas e estanques do estar em ser por demais verbosas

enquanto os andrajos batem à pilha à porta das incompetentes e verticalizadas soluções milagrosas

(oswaldo martins)

segunda-feira, 4 de junho de 2012


Afonso Henriques de 
Lima Barreto
Rio de Janeiro
1881 - 1922

Prof. Oswaldo Martins
Prof. Alexandre Faria
HOJE NA MOVIOLA
ÀS 19:00 H
Rua das Laranjeiras 280
Lojas B e C