terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Noite flamenca


Não era muito de sair à noite, precisava apaziguar as brigas do marido com o filho. O garoto, como tantos universitários, resistia à vida adulta, criava birras em todo espaço-tempo e gastava sem critério. Nos últimos meses, o grupo da dança flamenca estava proporcionando algumas oportunidades de badalação.

Chegara ao curso de verão pelas mãos das amigas do trabalho, deixou-se levar com certa facilidade, para si mesma reafirmava o propósito de só fazer esse mês de aula. O joelho não ia aguentar, não tinha ritmo. Os genes árabes a fizeram gostar da dança, da música cigana com sua escala ascendente tão próxima de uma herança com que nunca tinha entrado em contato. Ficou para mais um semestre, e outro.

Irene, a professora, é uma jovem argentina que preferiu o flamenco. Ver a professora dançar lança a turma numa certeza de não conseguir. No entanto, rápido se aprende guiado pelos passos fragmentados em câmara lenta. Nota-se o esforço. Mais fácil para ela dançar no ritmo certo. Não é problema errar, um pequeno acerto sempre é valorizado, gerando a confiança de poder mais.

Naquela noite ia assistir a uma apresentação de Irene com Davi, um bailarino cigano e argentino, acompanhados por Antônio, um violonista brasileiro especializado em flamenco.

No céu, uma faixa azul avermelhada ainda resistia enquanto a lua cheia surgia do outro lado. Era uma casa do início do século XX numa transversal das Laranjeiras. O pátio externo fora preparado para servir como auditório e bar. Toldo, mesinhas de madeira de demolição, cadeiras de boteco, luz de velas, tablado numa extremidade, mais cadeiras e poltronas na outra.  As conversas regadas a cervejas artesanais fluíam. As amigas do trabalho chegaram e foram sentar ao fundo, estava mais fresco sem o toldo. 

O baile começa. As conversas passam a sussurros. Silêncio e Olés. Músicas cantadas e dançadas. Aplausos. Danças alegres, sensuais, sapateado rápido que se integra a música tocada.  A dança produz som, o violão cede o protagonismo, acompanha quase mudo. Logo o corpo se lança a novos movimentos de braços, mãos, tronco, cabeça. Precisos, os pés marcam  o compasso fazendo ritmo junto ao canto. A energia dos bailarinos transparece em seus olhos, rostos, postura.

Iniciam uma coreografia de solea, dança das mulheres que perdem seus filhos, choram e exorcizam a dor com o corpo. Passos de revolta ao mesmo tempo de uma busca possível de compreensão da tragédia. A narrativa toma os corpos em silêncio. Respiração suspensa.

A turma da dança, amigos e famílias tornam-se uma tribo em torno da fogueira, sob o céu de lua cheia. Como sempre se fez.       

(Cynthia Magluta)

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