terça-feira, 3 de setembro de 2013

Três poetas

“Ao passar junto da vide
Ela arrebatou-me o manto,
E logo lhe perguntei:
Porque me detestas tanto?
Ao que ela me respondeu:
Porque é que passas, ó rei,
Sem me dares a saudação?
Não basta beberes-me o sangue
Que te aquece o coração?”

Al-Mu’tamid



EU ESTOU SÓ

Eu falo de quem fala de quem fala que estou só
Eu sou apenas um pequeno ruído eu tenho vários em mim
Um ruído amassado gelado na intersecção das ruas
despejado no pavimento húmido aos pés dos homens
precipitados correndo com as suas mortes
À volta da morte que estende os seus braços
Sobre o relógio sozinho respirando ao sol.

Tristan Tzara, in L'Homme approximatif


A foto

Sorrindo, nervosa, mas alegre,
consciente de sua juventude e fama,
ela abriu o caminho que lhe pediam,
indiferente, quase de brincadeira.

Sob a eterna infância da cúpula celeste,
abril de mil novecentos e doze
promete-lhe, nos Ospedaletti,
apenas prosperidade e sol.

Ela olha para a renda das nuvens,
com as mãos cruzadas no colo.
As sombras dos tormentos futuros
ainda estão presas naquela foto.

Em paz com o doce mês de abril —
leia-se Aprille — úmido e quente
como âmbar que se petrificou,
ela ainda se sente intocada.

Quando a idade chegar, o fim também,
um sabujo retardatário ainda há de encontrar
esse perfil terno e anguloso, preservado
para sempre num coágulo de luz.

Com que calma moldam-se, nesta dama
bem vestida, de feições claramente traçadas,
os sinais do talento, mostrando-se tão fáceis
como no título de um livro.

Quem lhe pediu, como presente,
esse tristonho comentário, emoldurado
em papel, sem nada escrito a lápis,
essa fronte, essa franja na testa?

O que há, para ela mesma, nesta foto?
Ela dá de ombros: façam o que quiserem!
E pinta esse retrato — Ospedaletti,
abril de mil novecentos e doze.

Que frescor, tão cedo, aqui nesta terra!
Ó amanhã, concede-lhe mais tempo!
Espera até que ela termine e assine “Anna
Akhmátova” no último verso.


(Bella Akhmadúlina)

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