domingo, 13 de abril de 2014

Três poemas de Juan Carlos Mestre

Salmo dos Bem-aventurados

Ávida vena, dame tu cordel.
Antonio Gamoneda



Bem-aventurado o que aos quarenta anos ainda não conheceu a recompensa e chama virtude o cordão de um sapato, o homem sem convicção que deitado na relva passa o dia dormindo e discute sobre o esforço com os gafanhotos.

Bem-aventurado o que suporta o empréstimo da verdade, o escavado em pedra e o que construído de palha é alternadamente senhor do nada e rei de um só vassalo.

Bem-aventurado tu que sem te chamares Juan não és outro que Juan o explícito, o pai do ar cujos filhos herdarão as máquinas de moer vento.

Bem-aventurado o que passou a noite com a insignificância, porque embelezado pela privação será dele alguma vez a ausência,

o que é vizinho de dois bocas, o da voz miúda a que lhe falta um dente, o homem sem pretexto que teve um asno, uma boina, um bode.

Bem-aventurado o que ante o argumento da pólvora torce o focinho de lanterna e fala alto, o que paga seu uivo com a vida, o que num instante é articulação de lobo e árvore ajoelhada.

Bem-aventurado o pássaro cujo canto desperta o coração de uma mãe nos galhos da tristeza.

Bem-aventurado o manco e seu violino de oxigênio, a abelha de açúcar que suga a superfície dos licores brancos.

Bem-aventurado o viajante que vaga no concêntrico e traduz o limite, a fertilidade do sacrifício, a teologia das medalhas da lua.

Bem-aventurado o que emigra à margem de seu amor, porque dele será a estranha fruta do animal de sábado.

Bem-aventurado o esqueleto de Rimbaud e seu pássaro influente, único herói no festim do crânio.

Bem-aventurado o que diante da alusão aos espelhos se volta pensativo e ignora azul e amavelmente suas lágrimas.

Bem-aventurado o imortal do morto, a desculpa do chapéu e seu balido, o repentinamente desenganado no paladar das tábuas da morte.

Bem-aventurado a andorinha de madeira que faz o menino pulsar antes de conhecer o sexo.

Juan Carlos Mestre

Tradução: Ronaldo Costa Fernandes


PARMÉNIDES

La verdad es una diosa que enseña el camino a los errantes.
Si debe ser necesaria la luz antes ha de no ser la noche.
El olvido es la presencia aparente de lo que aún existe.
La diosa habita el círculo de la benevolencia, es piadosa.
Lo femenino es la rueda de un carro, lo masculino la otra.
Yo soy dos semejanzas paralelas de amor, dos infinitos.
No sé si las yeguas piensan o padecen, dudo entonces.
¿Es más justo el que nace o el que no pudo ser?
Cuando me muera regresaré al todo de la nada. Estoy contento.

Juan Carlos Mestre



HERÁCLITO

Mi padre dijo: Hoy es el día del fuego
en cuya destrucción todo es diferente.
Ancho era el mar y yo quería buscarme a mí mismo,
rodee su cuello con dulzura, sus extinguidos brazos,
aquellos que tensaban el arco y en la luz del día
caricia exacta de más y más amor hacían.
También el humo hace toser a los dioses,
por eso padre mi alma está llena de fuego.
Yo le decía, pero su sueño era hallar la orilla,
averiguar el inicio de la costa, botar naves.
No se da cuenta que el agua quemó ayer todas las playas.


Juan Carlos Mestre

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