terça-feira, 14 de outubro de 2014

Por escrito, um romance da linguagem

Por escrito, de Elvira Vigna é um romance da linguagem. Em meio à trama, desenvolvida pela narradora, o contar se problematiza mesmo antes de se anunciar. Não por ser uma linguagem complexa, mas por, na sua simplicidade de quase oralidade, dar a ver um mundo que o tempo todo se constrói e se destrói. Romance feito de simplicidades complexas, paradoxo que cabe não só à linguagem, mas na própria vida, o novo livro da autora é um correlato mesmo das possibilidades humanas inconclusas.

É um belo livro sobre a solidão humana, sobre a incapacidade de a linguagem dar conta das relações que devem ser procuradas fora dela. Feita de silêncios, a narrativa deixa que cacos perdurem aqui e ali e preencham com este movimento de subtração o que a linguagem não dá conta de atestar.

O prazer da leitura de Por escrito se deve ao fato de que a incomunicabilidade se constrói a partir de outros vieses, como, por exemplo, a construção a que se presta a narradora –  quando a realidade ou os dados da realidade são insuficientes para aplacar os desejos, tão pouco freudianos aqui – se encontra na fabulação do real e toma aspectos tão densos e descontínuos como um espelho da realidade, que se amplia em um sem-número de possibilidades. Neste sentido leiam-se, com o cuidado que a linguagem requer, as referências à morte de Aleksandra, cujas versões são muitas e inconclusas.

Há também no romance de Elvira uma premência do falar feminino, sem as amarras que este falar, classicamente, sempre teve em nossa literatura. A voz de Valderez é sempre afirmativa, mesmo que a notícia que dá do mundo esteja repleta de negatividades. São negatividades afirmativas.

A construção de Por escrito se delineia nesta multiplicidade de paradoxos. Percebê-la é ao mesmo tempo dar conta de nossa multiplicidade frente o mundo e descobrir a potência que a narrativa, essa, a de Elvira Vigna, cria, com seus silêncios, de preenchimentos amplos e diretos.


(oswaldo martins)

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