quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Bordado de bandeiras e sacis dissonantes

Nos fim de tarde livres de trabalho, gosto mesmo é de escurecer a sala de casa, colocar uma boa música, uma dose generosa de uísque e me entregar ao espaço mágico que a quietude permite. Uma mesma música pode ser ouvida, nestas condições, milhares de vezes. Ouve-se o canto, a orquestração, a música, enfim. Num segundo momento, ouve-se apenas, por exemplo, o violão; noutros, os instrumentos de percussão. Se se ouvir uma dezena de vezes a mesma música as divisões ficam inumeráveis. Uma delícia.

Hoje foi o dia de ouvir, especificamente, duas músicas: uma música Moacyr Luz e Aldir Blanc. Cachaça, árvore e bandeira. Homenagem ao grande e esquecido Carlos Cachaça. Outra o saci de Guinga e Paulo César Pinheiro, na gravação primorosa de Guinga e Francis Hime. Piano, violão e vozes estupendas.

A primeira me leva para os tempos distantes de nós mesmos, cariocas ou adotados por essa cidade – como é o meu caso – tempo em que era possível vestir o rosa da aurora bordadeira! Se os sons trazem a sugestão de uma leve melancolia e a letra a confirma, há, entretanto, um país imaginário que ainda está para se construir, nas bases do que foi, mas que paradoxalmente houve apenas como anúncio do que virá a ser.

A segunda me leva também a tempos distantes, mais rurais, e traz uma estranheza muito peculiar. Uma temática rural que rompe com sua própria base harmônica, quando cria uma dissonância bastante acentuada e coloca este saci num entretempo que é ao mesmo tempo pertinente ao passado e ao presente. As vozes de Guinga e Francis Hime se casam, como se casam o violão de um e o piano de outro.


(oswaldo martins)

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