domingo, 21 de agosto de 2016

Pilulinha 48

Como se estivéssemos em palimpsesto de putas, de Elvira Vigna, tem a qualidade de não se deixar cair em nenhum tipo de concessão ao sentimentalismo emocionado, no entanto, se constrói a partir de um dilaceramento interno de seus personagens, que beira o mais puro lirismo. A linguagem precisa, cortante, envolvente para o leitor, é o tempo todo desconfigurada pela narradora ao, no ato de contar, deixar entrever que a história que se conta não é a história que se conta. Há um além que cinicamente vai sendo desmascarado pelo pensamento que de forma elíptica vai se construindo.

As personagens são surpreendentes. A construção em espiral – as irrealizações possíveis, o jogo de esconder-se de si mesmo –  vai se sucedendo numa possibilidade única, numa temática única, que explode na temática que se escondia sob os desacertos da narração. O palimpsesto – a forma machadiana preferencial –, aqui vivenciado pelo não contar o que na verdade se conta, apresenta a maestria de Elvira, em seu grau mais intenso.

Talvez na literatura brasileira as putas – mas não é, e é, sobre elas que se escreve tenham tido a sua presença narrada de forma tão lírica e humana. As putas do livro assumem um grau de complexidade trágica. Presentes o tempo todo no romance, por sua ausência de caracteres, assumem a máscara trágica que se revelará na cena da morte de Cuíca. A partir desta estrutura, o romance retira as máscaras de seus atores e os coloca nus frente a eles mesmos.

Como nas grandes tragédias, resta ao leitor debater-se com o mundo derruído da contemporaneidade.

Ps – leiam com atenção como a personagem Lurien é o oráculo que se salva.


(oswaldo martins)

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