segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

ENQUANTO ISSO

No tempo estava a fonte do espanto de um salto mágico ou da estória de menino em adulto, um filme. Lia ela livros durante as noites. Mamãe vestida de azul não tocava harmônio no caos ou fluxo ou rio. Mais de século e tal nessa data. Minha estória é com ela. 

Cláudio Correia Leitão

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

antiode ao apocalipse

se

aretino criou uma metafísica própria estranha ao mundo dos mortos a foda de adão e eva
henry miller buscou no espanto da linguagem suas derivas à morte
bukowski no rito dos sacripantas afugentou as esteiras de deus, com bebida e trepada

inventaram o moderno carpe diem

dançaram como dançam as bacantes
dançaram como dançam as ninfas
dançaram como dançam as putas

fizeram da linguagem um altar ignóbil para nós
fizeram da linguagem um avatar dos sem deuses
fizeram da linguagem a língua sem igual

na memória das triste putas
na descoberta da américa pelos turco
na boceta de chupeta
na teresa filósofa
na justine

a língua que nos revela anadiômenos
surgidos do nada

a língua de nossas misérias
de nossos trampos
de nossos vieses mais sórdidos

a língua universal em que trocamos desditas e trepadas
como deuses

a língua dos exus
que abrem os caminhos

a língua dos itimoratos
que mandam à merda o juízo final

sem mais

os pastores das ovelhas do dízimo
os pastores das ovelhas inquisitivos
os pastores das ovelhas carcomidos

pela retórica vazia
pela retórica apostrofaica

torquemadas da modernidade

fazem vezo de puros e benzem vassouras fazem vezo de puros e benzem os coxos para que comprem as vassouras benzidas fazem vezo de vozes celestiais para venderem aos pios a pia a piaba com que pagam a cura com que pagam a pia as vassouras os coxos os pastores dos piolhos

piabanhos senhores dos fracos de espírito
piabanhos senhores da destruição e do caos
piabanhos senhores empoleirados em linguagem reles

anunciadores do fim
anunciadores da esquálida morte em vida

sua ladainha irrita os ouvidos
sua ladainha irrita a pelve
sua ladainha é uma ficção urdida por um poeta ruim

truões que se divertem com a núncio do caos
truões que se postam ao largo das desditas
truões com taça de champanhe na intimidade

o cálice sagrado no púlpito destila fel
destila podridão e o cu do mundo

é aqui

como wall street foi o berço dos canalhas da subjetividade
como wall street foi o berço das novas batalhas
como wall street foi o berço da ocidental praia lusitana

os neo canalhas vociferam na bolsa humana
com cartão de crédito reinventam a escravidão moderna
das dívidas sempiternas dos que despossuem tudo

até a consciência de si
até a insciência dos bêbados de um deus impostor
dos deuses todos

impostores que subjugam a vida
que subjugam a molície dos homens das mulheres e dos gays

a malícia dos que trepam nas ruas
como se as ruas fossem a nossa casa
e assim retomada a vertigem dos dias
como queriam drummond e souzândrade
poderiam explodir as ilhas desta velha e nova manhattan.

(oswaldo martins)


quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

pilulinha 50

O Fogo de Henri Barbusse, editado pela Mundaréu, no Brasil, tem a virtude de pegar o leitor aos poucos. A descrição da guerra, da crueza da guerra, vai aos poucos se desenvolvendo até que da narrativa não se consegue esquecer e exige uma leitura contínua até a última página.

No front da 1ª Grande Guerra, o homem está sozinho, abandonado; contando com o imediatismo da sobrevivência, alguns elos humanos são feitos e destruídos. Os generais, senhores da guerra e das nações, não se mostram em nenhum momento e sua ausência se transforma na grande presença da inutilidade dos eventos, que são a luta, a fome e a miséria de homens que se matam por um naco de terra – que não pertencerá a eles.

Escrito no ano de 1916, O Fogo, além do infausto da guerra, traz duas reflexões ao largo da narrativa. A primeira, sobre os alemães, permite que se perceba a guerra, para acabar com todas as guerras, como um instrumento da opressão que inevitavelmente levaria à 2ª Grande Guerra. A segunda, o processo que reflete sobre a guerra dentro da guerra, quando a Rússia, ao se afastar das lutas externas, se coloca internamente na luta contra os generais e reis que da guerra até então não participavam. Serão derrotados, e Barbusse percebe as possibilidades de um mundo que não evocasse as trincheiras abandonadas pelos donos das nações.

Pouco importa se o prognóstico do autor não corresponda ao que a história nos propôs. A atividade intelectual deve se fazer sempre sobre o risco da reflexão ligada a seu tempo.


(oswaldo martins)

sábado, 7 de janeiro de 2017

duas desimitações desembestadas

desimitação de bukowsk

a conversar com as baratas e a ler um livro
para que ele o arrase, caro leitor
ou trançar metáforas fedorendas
loucas de bêbedas
caídas no porre

entre a cozinha atulhada de lixo
e com copos emborcados
corpos pelo sofá da sala
que não dá conta de si
como o algodão nas narinas do morto

pode dar conta de vencer a noite
seu tédio o que não fazer da vida

poesia é que não é
nem aqui nem na ali califórnia

(oswaldo martins)

desimitação de vinícius

uma copa de uísque
uma copa de árvore
uma copa de mulher

e o vomitório bêbado
das paixões platônicas
realizadas ou não

e o latinório fugaz
de quem com a língua
faz o que quer

supõe ao réu a dúvida
de ser no sovaco da menina
de Ipanema

o que designa a língua
quando se desata a fúria
deste meu cão engarrafado


(oswaldo martins)

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Pilulinha 49

Machado, novo livro de Silviano Santiago, lançado pela Cia. Das Letras, no último dezembro, constrói, a partir do grande escritor brasileiro, uma obra em que a linguagem de apropriação do outro se torna ao mesmo tempo um duplo palimpsesto. A mimetização do estilo de Machado por Silviano é também a mimetização do estilo de Silviano por Machado, operado por uma narrativa que nos entrega – e ensina – como os romances de um e de outro, ou como os romances, devem ser lidos e escritos.

Primeiro palimpsesto: o Machado que se anuncia na intenção da narrativa é o Machado dos últimos anos de vida, carcomido pela doença e por seu tratamento; entretanto, mais que o fluir da narrativa que nos mostraria o velho bruxo em sua inteireza, repassando passo a passo seus últimos anos, a escolha, ao efetivamente percorrer estes anos, nos mostra outra deriva, espicaçando a curiosidade do leitor em várias outras direções. A técnica de despiste tão machadiana aqui se aplica como uma luva. Ao evocar a presença de diversas personalidades da época, Silviano faz-se bruxo e palimpsesta (deve-se ler aqui o vocábulo como verbo) na narrativa a sociedade da primeira República, a chamada Velha, e com ela constrói um painel desvantajoso, sob a capa do elogio, de nossa formação republicana.

Tal palimpsesto se abre em outra direção, dando vigor ao nosso segundo palimpsesto.

Segundo Palimpsesto: a República, chamada Velha, insisto, adquire colorações do presente. As escolhas dos textos de diversos autores, os anúncios em jornais da época, os documentos selecionados por Silviano dão conta de uma amplidão bem maior e nas entrelinhas do romance se inserem diversas estocadas que dão conta da paralisia de nossa vida política, sempre afeita aos mitos fundadores da grandiosidade da terra. Ao roubar de Mário de Alencar a herança paterna, joga como uma sombra, que se estende ao longo de todo o romance, a dúvida que ainda hoje permeia uma diversidade grande das obras literatura escritas por aqui, mistas de auto complacência e deslumbramento com os mitos fundadores.

O segundo palimpsesto se constrói aos poucos, vai juntado pedaços de discursos para explodir com força no penúltimo capítulo do livro ao expor a percepção machadiana, a partir da presença de Joaquim Nabuco. As derivações a que se prendia a narrativa machadiana se diluem e se reforçam em outra direção. A consistência da obra Machado se condensa, o espectro narrativo se adensa e faz com o leitor mergulhe em outra direção e perceba que o Machado ali presente é Silviano e o presente de sua época, esmiuçados com um piscar de olhos rápido e rasteiro como o de um capoeirista ou de uma vidente que nos prevê irônica e desconsoladamente o futuro reservado aos gêmeos de Esaú e Jacó.

No Machado de Silviano, as metáforas bíblicas cedem lugar ao trágico grego. Se aquela nos dava uma lição de moral – e bons costumes – esta nos dá a possibilidade trágica que formula uma ética. Os irmãos Pedro e Paulo no burlesco que estão envolvidos semelham a burla da própria república brasileira, cujos representantes são patéticos e moralistas.

O último capítulo do livro é uma pequena peça que enfeixa e dá ao romance a ousadia com que foi escrito. A análise do quadro (que se anuncia na primeira página do romance) vai compondo um painel que é ao mesmo tempo o louvor de Machado, e, ao contrário do que possa parecer, o elogio dos decaídos, dos doentes, dos desprovidos, dos desobedientes.

(oswaldo martins)