sexta-feira, 17 de março de 2017

o poema salsicha do sr. casimiro

ou diatribes das madrugadas de sexta-feira

todas as vezes que leio  os versos de meus verdes anos, sinto uma vontade de nélson rodrigues. as taras sobem-me à cabeça, os abusos da estupidez se colocam tão claramente à minha frente que a vontade  de ir ao túmulo do sr. casimiro se torna quase uma obsessão física. gostaria de cuspir-lhe na tumba, na impossibilidade de esbofeteá-lo. autor de versos tão insossos merecem não o desprezo dos leitores, mas uma raiva fervorosa e inextinguível.

o poema das saudades da infância bem poderia ser lido como o poema das saudades da infâmia! que outra coisa não é essa infância retratada entre borboletas azuis, laranjais e bananeiras, bem-postas entre as beijocas da sra. mamãe e da irmãzinha prazenteiras. sinhás de um mundo cuja patente exploração sofre-se até hoje, não só nas dificuldades apresentadas na vida cotidiana de exceções e privações, mas na péssima poesia que se praticou e se pratica como edulcoração do umbigo, que por traçar versos pífios se acha merecedora das glórias de um panteão mais podre que a canalhice a gritar primeiro o meu.

o sr. casimiro, com versos tão óbvios, em ritmo de surpresas nenhuma, exclamativo e pimpão, é o triste retrato de certa poesia brasileira, dos que querem o galardão da propaganda, da ideologia fácil, midiática e rebolante. uma poesia carmem miranda com bananas, as laranjas, as mangas, as pitangas ditosas como os abricós. conquistado à musicalidade predatória do bate estaca dos versos, o poema se parece àquelas ladainhas enfadonhas que se recitam nos templos da modernidade.

o ritmo das senzalas não chegam aos ouvidos do proto poeta como não chega aos ouvidos eruditos dos poetas proto modernos. toda a pretensa graça das saudades (da infâmia) está no esquecimento dos ritmos que fulguravam nos longos cantos inauditos, dos jogos de corpo, das artimanhas da linguagem com que se forjava – na forja e no muque – a luta constante pelo direito à voz. o sr casimiro não apenas não os escuta, mas os recalca e ao fazer com que o leitor caia na artimanha do bate estaca introduz, com o frio que os românticos sabiam fingir como calor tropical, uma perempta forma de pensar o país que se estende em várias direções e faz com que se aceite a ficção das novelas e jornais televisivos. é claro que o poeta-salsicha achava o céu lindo e se preparava hodiernamente para rezar suas ave marias.

na impossibilidade de dar-lhe de prancha ou de talho, ante a inutilidade de ir lhe à tumba dar uma cusparada, resta-nos torcer para que o demônio, evocado por paulo vanzolini, capriche neste salsicha, espetadinho no garfo.


(oswaldo martins)

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